1 de jun. de 2012

Pô, Ferreira Gullar!


Irineu Tolentino

Numa ironia discreta, Ferreira Gullar disse que "poesia não tem valor no mercado". Será?

Eu tenho minhas dúvidas. Acho que  todo tipo de arte tem seu lugar no mundo. Da pintura à escultura, da música à literatura (incluída aí a poesia)... Não estou, de forma alguma, desmerecendo Gullar. Não é nada disso, até porque, gosto muito dele!

A arte está é divorciada do mundo, principalmente, dos acontecimentos políticos e transformações sociais. Falta sintonia. Músicas como as de Renato Russo e Cazuza não surgem mais. O que surge hoje passará junto com as dancinhas de Neymar.

Aqui no Em Tese, eu já havia comentado sobre isso em Cadê os artistas? Tive que concluir que eles estão dormindo. É por isso que a arte, de maneira geral, não tem valor no mercado. Ela não nos provoca mais!

Veja, por exemplo, Gregório de Matos Guerra, poeta baiano (1636-1695), alcunhado de "Boca do Inferno"... Ele definiu sua "cidade" poeticamente, do jeito dele. Até hoje Gregório de Matos é lido, relido e estudado...

"De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.

Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.

Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.

Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder".

Por que, hoje, ninguém quer escrever, pintar, esculpir ou musicar Brasília? Cadê os artistas?

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