25 de jun. de 2012

Paraguai: Primavera Pirata



Irineu Tolentino

Foi a melhor expressão que encontrei para qualificar o injusto afastamento de Fernando Lugo do poder.

Se eu deixasse a retórica de lado,  poderia chamar o golpe de "Primavera Reversa", já que perpetrada pelas autoridades constituídas e contra o povo.

E era só o que faltava nesse mundo maluco: o Paraguai, que era conhecido por comercializar produtos piratas, passou a exportar "Primavera Pirata". As autoridades constituídas tomaram o poder do povo, na "mão grande", afastando seu representante legítimo; e tudo se deu na calada da noite, mediante um "processo sumário" como dizem por aí (na verdade, foi um processo relâmpago, pois começou num dia e terminou no outro).
 
A questão pode ser analisada de diversas formas, sob os mais variados ângulos; de todos eles, sempre fica algo estranho no ar.


"Vamos supor - apenas por amor ao debate - 
que Lugo devesse mesmo ser afastado.
Ainda assim, ele teria direito à defesa
como todos os acusados, 
e defesa pressupõe tempo."
 

Em qualquer país do mundo, nem ladrão de galinha é processado tão rápido. Imaginem um Presidente acusado de..."não ter cumprido suas funções adequadamente", pesando-lhe a pena de impeachment...

Pergunto: O Parlamento paraguaio cumpriu suas funções adequadamente?

Do ponto de vista jurídico, vale a pena ler o posicionamento do Juiz de Direito Rosivaldo Toscano Júnior (artigo), muito melhor e mais técnico do que o apressado "parecer jurídico" do Reinaldo Azevedo (o blogueiro contratado da revista Veja). De se dispensar também, a apressada análise da revista Veja, que se posicionou favoravelmente ao golpe sem qualquer argumento plausível.

Nenhum país do mundo tem soberania suficiente para rasgar tratados e convenções internacionais (dos quais é signatário), sem que haja sanção. Nenhum! Logo, é natural que os  demais oponham-se ao golpe, com todos os poderes que os tratados internacionais lhes conferem. Isso é convenção internacional, não violação de soberania. É um direito dos vizinhos e parceiros comerciais de ver a lei respeitada e a ordem estabelecida. 

Vamos supor - apenas por amor ao debate - que Lugo devesse mesmo ser afastado. Ainda assim, ele teria direito à defesa como todos os acusados, e defesa pressupõe tempo. 

Dá para dizer que, num processo instruído na calada da noite e com sentença proferida no dia seguinte, houve defesa? Qualquer advogado sabe que não daria tempo nem de juntar documentos se a questão fosse exclusivamente de direito, quanto mais havendo necessidade de se produzir provas (no mínimo, ouvir testemunhas sob o crivo do contraditório).

Aliás, a questão central é essa: condenação sem direito a defesa.  Se Lugo tivesse que ser afastado não o poderia sem que antes lhe fosse assegurado tal direito. Isso é básico em qualquer democracia.

Espero que Dilma não abone a política do "vale-tudo" no Paraguai, como Lula fez em relação ao Maluf.  Se ela fizer isso, em algum momento, haverá de posar  ao lado de Federico Franco para uma desagradável foto tirada para a posteridade.

O Paraguai está numa sinuca de bico: o país ficará ingovernável diante das sanções dos países vizinhos. E, se voltar atrás, quem julgará os algozes de Lugo?


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