4 de jun. de 2012

Eleições Municipais e Meio Ambiente

Por um Brasil sem sujeira


Luiza Eluf *

O termo sujeira é amplo, pode-se entendê-lo como oposto de limpeza ou, em sentido figurado, pode se referir à corrupção, à malandragem, aos desvios de dinheiro público. Aqui, porém, será usado literalmente. Embora os problemas de sujeira no Brasil sejam muitos, é preciso escolher as prioridades. Falemos do tratamento de esgoto.

Bons ventos trazem o tema do saneamento básico à discussão, com uma intensidade nunca antes vista na história do país. Enfim, saímos do marasmo para enfrentar com maior determinação uma das necessidades mais prementes da nossa população. O momento também favorece a ampliação da discussão para que contemplemos as questões relacionadas ao meio ambiente diante do abismo de nossas desigualdades sociais, além do muito que falta fazer para alcançarmos a tão almejada sustentabilidade.

Estamos distantes do discurso de que “é preciso deixar aos nossos descendentes os recursos naturais necessários à sua sobrevivência”, pois nem conseguimos prover o que há de mais básico em termos de saneamento. Não temos água tratada e própria para o consumo em muitas localidades. Com o vertiginoso aumento populacional no mundo, esse problema, que atinge prioritariamente os países em desenvolvimento, coloca mais de 2 bilhões de pessoas, sobretudo crianças pobres, em situação de risco à saúde. No Brasil, são milhares de crianças atingidas por diarréia todos os anos, doença que afeta a saúde de forma perversa e contínua, prejudicando inclusive o completo aprendizado escolar.

Segundo o Ministério das Cidades, 55% da nossa população ainda não está conectada às redes de esgoto, e o índice de tratamento é de 39%, conforme estudo de 2009. Mais impressionante do que isso, é constatar que a população nem sabe o que significa saneamento básico e somente 5% das pessoas entrevistadas na mesma pesquisa conseguiram relacionar o saneamento com saúde.

 Todo verão, em alguns Estados da Federação, é comum que se publique a avaliação da adequação das praias mais procuradas. As notícias são estarrecedoras, diante dos numerosos locais intensamente freqüentados por turistas que se encontram impróprios para o banho, devido à infestação por coliformes fecais, ou seja, esgoto. E a água poluída acaba contaminando a areia da praia, que por sua vez passa a significar um risco maior à saúde do que a própria água.

 A Lei atribui às prefeituras municipais a responsabilidade pela .execução do saneamento básico. O Ministério Público vem acompanhando as licitações que, em certos casos, precisam ser refeitas, o que recomendaria uma providência para evitar a suspensão de obras: a orientação das autoridades competentes sobre como proceder para não incorrer em erros que tanto atrasam o saneamento.

 Apesar da forte e conhecida ligação entre os serviços de esgotamento sanitário e a saúde pública, a comunidade não reivindica seus direitos perante as autoridades e os administradores públicos acabam relegando essa inacreditável sujeira a segundo plano, até porque nossa cultura política é no sentido de que fazer “obras enterradas” não dá voto.

 Infelizmente, nossos colonizadores nos deixaram uma herança de descaso com relação ao saneamento básico. Nossa Imperatriz Leopoldina, que era austríaca, documentou em cartas, posteriormente transformadas em livro, a forma como os excrementos eram retirados do palácio de Dom Pedro . Os escravos vertiam o conteúdo dos penicos em uma grande tina que carregavam nas costas pelos corredores da residência, por vezes sem conseguir evitar acidentes que provocavam quedas desastrosas e mal cheirosas. Em seguida, dirigiam-se até os arredores da edificação para despejar o esgoto diretamente no rio que abastecia de água a família imperial ou, dependendo do caso, acabavam deixando os excrementos amontoados em terreno próximo sem nenhum tratamento, enterramento ou isolamento.

Para que se possa superar o legado de ignorância sobre os perigos da falta de saneamento básico e varrer do Brasil essa vergonha, seria importante que se promovessem campanhas nas escolas e nos meios de comunicação para esclarecer a população e conscientizar governantes. Só a informação pode trazer as mudanças que o país requer.

Por sua vez, o descumprimento da Lei n. 11.445/2007, chamada Lei do Saneamento; pode gerar a responsabilização do(a) administrador(a) público(a) por improbidade. Criancinhas brincando em águas contaminadas, favelas com esgoto a céu aberto correndo pelo meio-fio, praias infectadas e doenças de alta gravidade contraídas por incúria de pessoas eleitas pelo voto popular precisam ser varridos de nossa realidade cotidiana. O corrente ano é muito importante para a população brasileira porque vamos escolher prefeitos e vereadores, justamente os responsáveis pela melhoria ou a piora de nossa situação atual. A oportunidade é ótima para que se possa colher compromissos dos(as) candidatos(as) com metas e prazos em relação ao tratamento adequando do esgoto em todas as cidades do país. O Programa “Cidades Sustentáveis” vem sendo apresentado pelo Instituto Ethos em parceria com a Rede Nossa São Paulo e outras entidades como o Instituto Trata Brasil aos partidos políticos e respectivos postulantes a cargos públicos municipais para que se pronunciem sobre a limpeza dos recursos hídricos tão maravilhosos e tão maltratados no Brasil, a começar pela maior cidade do país que é São Paulo e que se encontra rodeada de rios assassinados pela poluição.

* Luiza Nagib Eluf é Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo.
Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça eSubprefeita da Lapa. 
É autora de vários livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” sobre crimes passionais, e
“Matar ou morrer – o caso Euclides da Cunha”.
É membro do Instituto Trata Brasil que luta pela melhoria do saneamento básico no país.

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